MP não pode quebrar sigilo nos EUA por cooperação
O presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Ari Pargendler, negou pedido do Ministério Público do Estado de São Paulo para suspender sentença que havia impedido a requisição, ao governo dos Estados Unidos, de informações sobre operações bancárias de membros da Igreja Universal do Reino de Deus.
O MPE havia instaurado inquérito civil (*) para apurar notícias de irregularidades praticadas por membros da igreja, e expedido a solicitação com base no Tratado de Assistência Legal Mútua entre Brasil e Estados Unidos.
A igreja impetrou mandado de segurança contra ato do promotor de Justiça Saad Mazloum, pedindo a cassação dessa solicitação, sob o argumento de que a quebra de sigilo bancário depende de prévia autorização judicial.
A juíza de direito Maria Gabriella Pavlópoulos Spaolonzi concedeu a ordem. Ela sustentou que "pouco importa a denominação formal que veio a ser dada ao instrumento utilizado pelo Ministério Público para obtenção da quebra do sigilo bancário. O fato é que para 'transferência' de tal ato investigativo e por projeção da atribuição interna do órgão ministerial, mister se faria a prévia autorização judicial".
A magistrada registrou: "Embora admirado o trabalho desenvolvido pelo ilustre Promotor de Justiça Dr. Saad Mazloum, a ausência de ratificação do Decreto avocado pelo ato tido por ilegal e necessidade da autorização judicial para a formulação do pedido impõem a procedência da pretensão inicial".
O MPE pediu a suspensão dos efeitos da sentença perante o TJ-SP, o que foi indeferido pelo desembargador Antonio Carlos Viana Santos.
"Por mais relevantes que sejam os fatos objeto de investigação [apreensão ou congelamento de bens e quebra do sigilo de contas bancárias, em razão de possível utilização indevida de entidade de fins religiosos, inclusive com desvio de valores, para enriquecimento de particulares] as providências encetadas por meio da cooperação judicial não podem deixar de observar os procedimentos e as restrições legais vigentes", decidiu Viana Santos.
Segundo o presidente do TJ-SP, a documentação bancária obtida sem a observação das formalidades da lei seria imprestável como prova.
"A decisão do Tribunal de Justiça coloca em risco o acordo de cooperação com os EUA. Centenas de casos de lavagem de dinheiro podem ser anulados se prevalecer o entendimento de que o promotor não pode fazer pedidos diretos aos EUA", Saad Mazloum afirmou à Folha em agosto último.
Segundo informou o jornal, o promotor mencionou decisão da Corte Especial do STJ, de 2008: ao julgar pedido de Eduardo Bittencourt, conselheiro do TCE, considerou que os documentos solicitados aos EUA, entre os quais extratos bancários, não precisam de autorização.
No dia 24 de setembro, ao julgar o pedido de suspensão de segurança feito pelo MPE, que alegou grave lesão à ordem pública, o ministro Pargendler citou julgamento da Corte Especial de dezembro de 2009. Decidiu que "a autoridade brasileira não pode obter, no exterior, pela via de colaboração jurídica internacional, o que lhe está vedado, no exercício da competência própria, no país".
"Parece temerário autorizar o Ministério Público a solicitar a quebra de sigilo bancário no exterior, sabido que no Brasil essa providência depende de ordem judicial", decidiu o presidente do STJ.
Ao indeferir o pedido, Pargendler considerou que a quebra do sigilo bancário constitui fato irreversível, e que, portanto, caracteriza o perigo inverso: o de que o sigilo bancário seja quebrado, e posteriormente declarado ilegal.
(*) 569/2009
Fonte: Blog do Frederico Vasconcelos - Folha de São Paulo On Line (14/10) / foto (STJ)