São Paulo ganha Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

    O Tribunal de Justiça de São Paulo promoveu nesta quinta-feira (22/01) a instalação do Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, o primeiro do Estado. A juíza responsável pelo setor é Vanessa Ribeiro Mateus. 
    Ao fazer uso da palavra, a juíza Vanessa Mateus afirmou que “o TJSP, hoje, com a instalação desse Juizado, escreve um capítulo importante de sua história. A violência doméstica é um problema que sempre permeou as relações humanas e que diz respeito à sociedade como um todo. A importância da Lei Maria da Penha, que instituiu a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, é inquestionável e vem sendo tratada por juristas de todo o País”. A magistrada encerrou seu discurso agradecendo ao presidente em exercício do Tribunal de Justiça, desembargador Antonio Carlos Munhoz Soares; ao Ministério da Justiça e à Secretaria da Reforma do Judiciário; ao presidente da Seção Criminal do TJSP, desembargador Eduardo Pereira Santos; à desembargadora Angélica de Maria Mello de Almeida e à juíza Ivana David, da 8ª Vara Criminal; ao juiz diretor do Complexo Judiciário Ministro Mário Guimarães, Alex Tadeu Monteiro Zilenovski; aos juízes assessores da presidência da Seção Criminal do TJSP, Maria Domitila Prado Manssur Domingos e Richard Francisco Chequini; e aos juízes assessores da Presidência do Tribunal de Justiça, Homero Maion e José Maria Câmara Júnior, pelos esforços para a instalação do Juizado. 
    Na sequência, a coordenadora do projeto de instalação do novo setor, desembargadora Angélica de Maria Mello de Almeida, afirmou: "Nossa esperança é que possamos dar concretude ao Juizado Especial de Violência Doméstica como instrumento de tutela da mulher.  Que a mulher em risco de violência doméstica encontre no Juizado intervenção eficaz para interromper o ciclo de violência. Que possa encontrar alternativas para exercer sua condição humana em plenitude". 
    Já o presidente da Seção Criminal do TJSP, desembargador Eduardo Pereira Santos, discorreu sobre a história de Maria da Penha, que deu nome à Lei 11.340/2006. Segundo o desembargador, “o advento da lei se deu longe do calor dos fatos que ensejaram sua criação, com base na linda lição de coragem e de vida de Maria da Penha. A mulher ainda caminha rumo a sua total libertação. A experiência dos Juizados de Violência Contra a Mulher em outros Estados tem mostrado grande êxito. É preciso restabelecer o equilíbrio de forças. Essa iniciativa tinha de chegar a São Paulo e aqui terá conduta correta e serena por parte de nossas juízas”. 
    No encerramento da solenidade, o presidente em exercício do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, desembargador Antonio Carlos Munhoz Soares, ressaltou a presença do corregedor-geral da Justiça, desembargador Ruy Pereira Camilo: “o colega desembargador Ruy Camilo nos conforta com o seu apoio a essa iniciativa. A sua sensibilidade tem sido palavra norteadora em relação às decisões mais prementes nas atividades da nossa Justiça. Parabenizo também o presidente da Seção Criminal do TJSP, desembargador Eduardo Pereira Santos, porque essa inauguração certamente vai constar de seu currículo. Quero agradecer ainda a acolhida do juiz diretor deste Fórum, Alex Zilenovski, que com sua presença ativa e animadora nos faz esquecer o que já fizemos e nos lembra o que ainda temos a fazer; e à doutora Vanessa Ribeiro Mateus, que com seu dinamismo nos faz lembrar nossos primeiros dias de magistratura – e todo dia para nós na magistratura é como se fosse o primeiro dia”. 
    “A palavra sensibilidade é um adjetivo qualificativo juntado ao sensível. Quando fundamos o Serviço Psicossocial do TJSP há 13 anos, jamais pensamos que em 2008 superaríamos 140 mil atendimentos em oito unidades espalhadas pelo Estado. No Juizado que hoje se instala, há a necessidade de estar presente no dia-a-dia – e com certeza ele estará. Na América Latina, esse pioneirismo começa por nós, no Brasil. A Justiça precisa se descentralizar para prestar atendimento às mulheres queixosas de violências terríveis. Quero lembrar que o Tribunal de Justiça instalará também um anexo do Idoso para funcionar junto a uma Vara da Família, com vistas a dar efetividade ao cumprimento do Estatuto do Idoso. Desejo vivamente às doutoras Vanessa Ribeiro Mateus e Ivana David toda sorte de felicidade à frente do Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. E nós temos de continuar olhando à frente e enxergar a necessidade de descentralizarmos o Judiciário”, finalizou o desembargador Munhoz Soares. 
    Também estiveram presentes à solenidade o vice-presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), desembargador Paulo Dimas de Bellis Mascaretti, representando o presidente; o vice-presidente de Interiorização da Associação dos Magistrados Brasileiros, desembargador Sebastião Luiz Amorim; o desembargador Luiz Edmundo Marrey Uint, representando o diretor da Escola Paulista da Magistratura; o secretário adjunto da Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, Izaías José Santana, representando o governador; o presidente da Associação Paulista do Ministério Público, procurador Washington Epaminondas Medeiros Barra; o promotor de Justiça Tomás Burnardo Ramadan; a defensora pública-geral do Estado de São Paulo, Cristina Guelfi Gonçalves; assessor da Secretaria de Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça, Marcelo Schmidt, representando o secretário; juízes assessores da Presidência do TJSP, Homero Maion e José Maria Câmara Júnior; juízes assessores da presidência da Seção Criminal do Tribunal de Justiça, Maria Domitila Prado Manssur Domingos e Richard Francisco Chequini; juízes do Complexo Judiciário Ministro Mário Guimarães, entre outras autoridades e servidores do Ministério Público, da Polícia Militar, da Defensoria Pública e do Poder Judiciário paulista.
    Leia abaixo a íntegra do discurso da desembargadora Angélica de Maria Mello de Almeida:     

    Excelentíssimo desembargador Antonio Carlos Munhoz Soares, presidente em exercício do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo,  na pessoa de quem saúdo as autoridades e as pessoas presentes. Com a instalação do Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,  inicia–se caminhada que representa tarefa a desafiar a todos nós.  O Tribunal de Justiça de São Paulo dá um passo a mais para se integrar na rede de combate à violência doméstica. 
    O Juizado Especial de Violência Doméstica está fadado a atuar e operar em terreno cultural em que as relações sociais entre homens e mulheres ainda são assimétricas,  impregnadas pela desigualdade de gênero, intimamente ligada à desigualdade social,  econômica,  de raça/etnia.   
    Na sociedade brasileira, como em outras partes, ainda impera a ideia de que cabe a mulher – em razão de sua natureza feminina – desempenhar tais ou quais papéis predefinidos socialmente,  como ensina Heleieth I.B. Saffioti,  precursora no Brasil do estudo da questão de gênero e violência doméstica. Não é por outro motivo que não é dado à mulher o direito de romper um relacionamento amoroso ainda que desfeitos os laços afetivos. O rompimento pode lhe custar a violação reiterada de sua integridade física, quando não, sua própria vida.   
    Não se nega que pouco a pouco a mulher vem conquistando espaço. 
    Graças às conquistas de nossas mães, avós, que abdicaram muitas vezes do estudo, trabalho; deixaram de lado seus sonhos para que a geração seguinte pudesse ter condições de realização pessoal.   
    Graças à luta de muitas mulheres que se organizaram, questionaram hábitos culturais arraigados, leis e interpretações jurisprudenciais que, porventura, dessem sustentação à reprodução da discriminação  de gênero.    
    Muitas destas mulheres, presentes nesta cerimônia. Não pode ser esquecido que a Lei Maria da Penha é fruto desta luta.   Deve-se ainda à cumplicidade e solidariedade de muitos homens que, como ensina Hannah Arendt, compreendem que  “a violência como toda ação transforma o mundo,  mas a transformação mais provável é em um mundo mais violento”.   
    Nasce a Lei Maria da Penha e,  por consequência,  o Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar,  exatamente para dar concretude aos direitos da mulher já garantidos e assegurados pela Constituição Brasileira e Tratados Internacionais,  incorporados ao ordenamento jurídico nacional.   
    A Lei Maria da Penha desenha matriz diferenciada para a proteção da mulher em condição de risco e violência doméstica e familiar. Trata da violência doméstica em largo espectro:  violência física, sexual,  psicológica e patrimonial.     
    Dá ao Juizado Especial de Violência Doméstica contra a Mulher competência cumulativa: cível e criminal. Medida inédita no direito brasileiro. No mesmo processo é possível punir o agressor, decretar a separação de corpos, fixar alimentos, decidir a respeito da guarda de filhos e divisão de bens.   
    Pressupõe a integração entre o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defesa, Segurança Pública – Polícia Civil e Militar,  Assistência Social, Saúde e Educação. Comporta atuação de equipe multidisciplinar para auxiliar o juiz. Propicia à mulher acesso às medidas protetivas, que podem desde logo ser decretadas pelo juiz: afastamento do lar sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda de filhos e alimentos, restituição de bens apossados indevidamente pelo agressor, acesso à casa abrigo quando necessário, afastamento do agressor do lar, entre outras. 
    A moldura sui generis do  Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar justifica-se porque, no âmbito das relações domésticas, a desigualdade entre homens e mulheres ganha dimensão maior e diferenciada. As especificidades da violência doméstica não podem ser descuidadas.  
Trata–se de violência invisível.  No início representada por ameaças verbais,  lesões ligeiras,  aparentemente sem significado.  Ou então, atitudes humilhantes, nem por isso irrelevantes. Com o passar do tempo a violência torna-se constante e mais intensa. Chega ao ponto de tirar a vida da mulher.     
    Cumpre observar que o agressor e a ofendida, via de regra, estão ou estiveram unidos por vínculos afetivos, sentimentos contraditórios e dependência emocional. A própria mulher em condição de risco de violência sente dificuldade em romper o silêncio. Sente-se constrangida em exteriorizar a agressão ou humilhação a que vem sendo submetida.   
    Logo se percebe que a decisão judicial pode representar meio de reprodução da desigualdade entre homens e mulheres.  Ou,  pode operar como instrumento de transformação social na medida em que assegure relações sociais de gênero mais igualitárias. 
    Nossa esperança é que possamos dar concretude ao Juizado Especial de Violência Doméstica como instrumento de tutela da mulher. Que a mulher em risco de violência doméstica encontre no Juizado intervenção eficaz para interromper o ciclo de violência. Que possa encontrar alternativas para exercer sua condição humana em plenitude.   
    O direito é fenômeno dinâmico. Deve ser construído por vários atores, por todos nós. Vale lembrar o pensamento de Dulce Critelli: “o que vemos ou ouvimos sozinhos é insuficiente para decretar a realidade de  qualquer coisa.  Nada é real se percebido na solidão. O real é compartilhado".  

Sobre o Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher   

    O Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, voltado à aplicação da “Lei Maria da Penha”, foi criado por meio de um convênio firmado entre o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e o Ministério da Justiça no dia 18 de agosto de 2008.  
    O setor funciona como um anexo da 8ª Vara Criminal Central de São Paulo, localizada no Complexo Judiciário Ministro Mário Guimarães, na Barra Funda, Zona Oeste da Capital.  

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