TJSP homenageia poeta Paulo Bomfim

        O Tribunal de Justiça de São Paulo homenageou nesta quarta-feira (1/10) o poeta Paulo Bomfim, chefe do Cerimonial e Relações Públicas, pelos seus 82 anos de vida, completados no último dia 30 de setembro. A cerimônia foi realizada no “Salão dos Passos Perdidos” do Palácio da Justiça e teve início com a apresentação de um vídeo mostrando as diversas etapas da vida do poeta, incluindo imagens de capas de seus livros, solenidades de que participou, homenagens e condecorações recebidas, além de eventos significativos que fazem parte da história paulista e brasileira. 
        Na seqüência, o ator Otávio Martins leu a poesia “Aquele Menino”, de autoria do homenageado. O desembargador Renato Nalini falou em nome do Tribunal de Justiça de São Paulo. 
        Confira abaixo a íntegra de seu discurso:   

        PAULO BOMFIM AOS 82             
        Esta não é manifestação corriqueira da “tática das homenagens”, tão usual num Brasil em que o interesse imediatista prepondera sobre os valores.             
        A reunião de apenas alguns, dentre os inúmeros amigos de PAULO BOMFIM, a pretexto de se festejar seus 82 anos, significa reconhecer a existência de algo peculiar em relação a ele. Algo de muito profundo e que o caracteriza e destaca dentre os demais. A sua essência, o seu âmago, a sua natureza, residem no universo da poesia.             
        O poeta é aquele que transcende a finitude humana. Escapa à angústia de se reconhecer efêmero e se inebria com a beleza sempiterna. Ser poeta exige uma qualidade básica do heroísmo: a coragem autêntica de proclamar a verdade que somente um coração sensível é capaz de enxergar.             
        Poeta paulista, poeta bandeirante, “o” poeta de São Paulo, o poeta de Piratininga. PAULO BOMFIM se escora na história de sua grei e de seu povo como sólido pilar granítico. De sua tradição familiar, de seu entranhado sentido de pertença, extrai a condição de por em prática o potencial poético de que é provido. Agiganta-se, produz em jorro incessante e não teme assumir a própria grandeza, nem aceita evadir-se ao próprio destino.             
        O poeta é um herói porque reconhece o paradoxo da condição humana: sede de infinito para uma efêmera aventura sobre a Terra. Não o acomete a “Síndrome de Jonas”, aquele “temor justificado de ser dilacerado, de perder o controle, de ser estilhaçado e desintegrado, até mesmo de ser morto pela experiência”[1]. Pois viver é cada dia mais angustiante na voracidade do tempo, na volúpia do consumo, no esgarçamento do real significado de existir.             
        O fraco refrearia a plena intensidade da vida. “Para certas pessoas, essa evasão ao próprio crescimento, fixando níveis baixos de aspiração, o medo de fazer aquilo de que se é capaz, a automutilação voluntária, a pseudo-estupidez, a humildade simulada são, na realidade, defesas contra a grandiosidade”[2]. Não o poeta. A este não falta força e vontade para suportar o superlativo, para abrir-se à totalidade da experiência.             
        Isso explica ser o poeta um outsider. Os que não são poetas se submetem a uma espécie de mentira vital. Não se questionam, não se angustiam, mergulham em certa desonestidade necessária e básica acerca da própria pessoa e de toda a sua situação. Não querem admitir que temem ficar sozinhos, que sempre se apóiam em algo como um patrimônio material, uma profissão, um sistema de idéias e poderes no qual mergulham e do qual se sustentam. Essa teia confortável mantém a mediocridade serena. Ignorante a respeito de si mesma, inimiga da auto-reflexão.             
        Só o poeta desfruta a sua plena humanidade. Reconhece um desajuste primário em relação ao mundo. Auto-realiza-se em sua poesia, impregna-se do êxtase das experiências máximas, suscetíveis de evidenciar o mundo em todo o seu assombro e esplendor. Não é indolor esse processo. Os perigos da “cognição do ser” implicam numa formação dolorosa do caráter. Conhecer-se para produzir poesia torna inviável uma atividade rotineira, automática, segura, autoconfiante.             
        O poeta nunca será o homem cultural automático[3]. O homem confinado pela cultura, escravo dela, que imagina ter uma identidade ao pagar o prêmio de seu seguro, que pensa ter controle de sua vida quando tem um carro do ano e consegue manusear i-pods e outros ícones da sofisticada parafernália da comunicação eletrônica.             
        Esse tipo aceita levar a vida trivial pois pressente o perigo que um amplo horizonte de experiências representa. O verdadeiro inimigo é a liberdade. “A liberdade é perigosa.Se você a segue com excesso de disposição, ela ameaça arrastá-lo para o ar; se abre mão dela em demasia, você se torna um prisioneiro da necessidade. O mais seguro é conformar-se com aquilo que for socialmente possível”[4].             
        PAULO BOMFIM tem consciência do que isso representa. Pois não foi ele quem afirmou que de tanto amar a liberdade, queria “ter filhos com ela”?             
        Amante da liberdade, plasma a beleza em versos e prosa, porque é movido pelo anseio íntimo de ser bom. Seu ser evidencia uma atração comovente pela correção da beleza, da bondade e da perfeição. Isso é o que se chama consciência.         
       PAULO BOMFIM é uma prova concreta e robusta daquilo que Kant considerou um dos dois sublimes mistérios da criação: essa lei moral interna, contraposta ao céu estrelado. “O homem é o único ser, na natureza, destinado a desvendar o que significa de fato sentir-se “correto”[5].             
        Correção nas relações pessoais, correção nas atitudes, correção no legado de seus escritos. Correção que a legião de seus admiradores detecta. Por isso é que PAULO BOMFIM conseguiu a verdadeira imortalidade: ser amado incondicionalmente. Não por aqueles que com ele privam do privilégio da convivência, o que é obrigatório e irrecusável. Mas também amado pela multidão dos que só o conhecem por seus textos e que o tornaram hóspede cativo de sua amorável admiração.             
        Abraçar PAULO BOMFIM neste encontro representa o apreço à poesia, à liberdade, à amizade, à ética e a tudo aquilo que sua vida representa para a pátria imensa da confraria bonfiniana.            
        O presidente do TJSP, desembargador Roberto Antonio Vallim Bellocchi, destacou a importância de Paulo Bomfim, não apenas para o Tribunal de Justiça de São Paulo, mas para a poesia e a cultura paulista. Ressaltou ainda o prazer de compartilhar de sua amizade. E encerrou afirmando que teria pouco mais a dizer sobre Paulo Bomfim, depois das palavras proferidas pelo desembargador Nalini. 
        O poeta agradeceu ao presidente do TJSP pelas homenagens e lembrou dos tempos que vinha em companhia de seu pai visitar o prédio, ainda em obras, onde hoje funciona o Palácio da Justiça em companhia do arquiteto Ricardo Severo , nos anos de 1931 e 1932, que deu seqüência à construção após a morte de Ramos de Azevedo. Revelou ainda que sempre esteve ligado ao Poder Judiciário paulista. Posteriormente veio a trabalhar no Tribunal de Justiça, em uma primeira etapa, durante um período de sua vida. Depois de um breve afastamento, retornou ao TJSP, pelas mãos do ex-presidente Marcio Martins Bonilha e aqui permanece até os dias de hoje. Disse ainda que grande parte de seus amigos são ligados ao Tribunal de Justiça de São Paulo, alguns dos quais estão presentes hoje nesta homenagem. 
        E terminou sua fala declamando a poesia “Credo”, de sua autoria: 

        CREDO 
        Paulo Bomfim
 
        Creio na vocação judicante e na responsabilidade que esse ofício nos confere. 
        Creio no destino de um Poder que dá a São Paulo dignidade no Presente e confiança no Futuro.           
        Creio na saga da Magistratura bandeirante que tem neste Palácio seu templo, sua tribuna e sua liturgia. 
        Creio na sacralidade da toga, na missão de julgar, na vitória da Lei a serviço do Bem. 
        Creio na Justiça de nossa terra, em seus numes tutelares, em sua jornada pontilhada de sacrifício e de sabedoria. 
        Creio na predestinação deste momento feito de evocações e responsabilidade, numa hora decisiva de nossa História quando o destino do Judiciário Paulista clama por novos rumos e pede ao Passado a luz da experiência e o dom de desvelar perspectivas redentoras. 
        Creio uma crença que se renova diariamente na Estrada de Damasco da revelação dos rumos de São Paulo e de seu Judiciário, no fortalecimento e na união de nossa Magistratura em torno do ideal de bem servir ao nosso povo. 
        Creio e faço dessa crença a luz que guiará meus passos, minhas decisões, meus propósitos, meu ideal de paulista e magistrado.   

        A solenidade terminou com a apresentação do grupo musical “Trovadores Urbanos”, que cantaram e tocaram alguns dos clássicos da música popular brasileira.   

        Paulo Bomfim 
        O poeta Paulo Bomfim nasceu em São Paulo no dia 30 de setembro de 1926, descendendo de bandeirantes e de fundadores de cidades. As origens da temática de “Armorial” circulam em suas veias. 
        De seu amor à terra surge também a comemoração do “Dia do Bandeirante”, celebrado pela primeira vez em 14 de novembro de 1961.             
        Jornalista profissional, iniciou suas atividades jornalísticas em 1945, no Correio Paulistano, indo a seguir para o Diário de São Paulo a convite de Assis Chateaubriand onde escreveu durante uma década “Luz e Sombra”, redigindo também “Notas Paulistas” para o “Diário de Notícias” do Rio. 
        Foi diretor de Relações Públicas da “Fundação Cásper Líbero” e fundador, com Clóvis Graciano, da Galeria Atrium. Homem de TV, produziu “Universidade na TV” juntamente com Heraldo Barbuy e Oswald de Andrade Filho, no Canal 2, “Crônica da Cidade” e “Mappin Movietone”, no Canal 4. Apresentou na Rádio Gazeta, “Hora do Livro” e “Gazeta é Notícia”.               
        Seu livro de estréia foi “Antônio Triste”, publicado em 1947, com prefácio de Guilherme de Almeida e ilustrações de Tarsila do Amaral. 
        Em sua apresentação, Guilherme saudava o jovem estreante como “o novo poeta mais profundamente significativo da nova cidade de São Paulo”. “Antônio Triste” foi premiado em 1948 pela Academia Brasileira de Letras com o “Prêmio Olavo Bilac”. Fizeram parte da comissão julgadora Manuel Bandeira, Olegário Mariano e Luiz Edmundo.          
        Publica a seguir “Transfiguração” (1951), onde envereda através do soneto inglês nos roteiros de Gama transpostos para a descoberta do mar secreto e das Índias interiores. Depois, em “Relógio de Sol” (1952) lida com a alquimia poética e lança as primeiras cantigas, linha que seria musicada por Camargo Guarnieri, Dinorah de Carvalho, Theodoro Nogueira, Sergio Vasconcelos, Oswaldo Lacerda e outros.         
        Edita em 1954, “Cantiga do Desencontro” e “Poema do Silêncio”, surgindo depois “Armorial”, de profundas vivências ancestrais, onde o bandeirismo é projetado no reino mágico dos Mitos. “Volta proustiana ao passado paulista”, como escreveu Cassiano Ricardo. Clóvis Graciano é o ilustrador dessa edição. Em 1958, sempre pela Editora Martins, lança seus “Quinze Anos de Poesia” e “Poema da Descoberta”. Publica a seguir “Sonetos” (1959), “Colecionador de Minutos”, “Ramo de Rumos” (1961), “Antologia Poética” (1962), “Sonetos da Vida e da Morte” (1963). “Tempo Reverso” (1964), “Canções” (1966), “Calendário” (1963), “Poemas Escolhidos” (1973) com prefácio de Nogueira Moutinho, “Praia de Sonetos” (1981), com prefácio de Almeida Salles e ilustrações de Celina Lima Verde, “Sonetos do Caminho” (1983), com prefácio de Gilberto de Mello Kujawski.  Lança em 1992, “Súdito da Noite”, com prefácio de Ignacio da Silva Telles e capa de Dudu Santos. Publica em 1999, “50 Anos de Poesia” com prefácio de Rodrigo Leal Rodrigues, e em 2000, “Sonetos” e “Aquele Menino”.  Seu livro “O Caminheiro” foi editado pela “Green Forest do Brasil” em 2001.  Publica em 2004 “Tecido de Lembranças” pela editora Book Mix, e “Rituais”, com ilustrações de Dudu Santos, em 2005.  Em 2006, 3ª edição de “O Colecionador de Minutos” pela editora Gente, “Livro dos Sonetos”, edição Amaral Gurgel, e “Janeiros de Meu São Paulo” pela editora Book Mix.  Lança em 2007, “Cancioneiro”, com desenhos de Adriana Florence, e “Navegante”, edição bilíngüe, Amaral Gurgel Editorial.  E a sair, “Corpo”, com ilustrações de Dudu Santos, “Insólita Metrópole” com Ana Luiza Martins, e “Café com Leite”, com Juarez de Oliveira. Suas obras foram traduzidas para o alemão, o francês, o inglês, o italiano e o castelhano. Em noite memorável de 23 de maio de 1963 entrou para a Academia Paulista de Letras onde foi saudado por Ibrahim Nobre.  Foi Presidente do Conselho Estadual de Cultura e do Conselho Estadual de Honrarias e Mérito, e atualmente é Assessor da Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo.  
        Em 1981, eleito “Intelectual do Ano”, pela União Brasileira de Escritores, conquistando o “Troféu Juca Pato”, ao qual concorreram também Darcy Ribeiro e Celso Furtado. 
        Em 1991, premiado com o “Obrigado São Paulo” da TV Manchete.  Recebeu, também, o título “Príncipe dos Poetas Brasileiros”, da Revista Brasília.Foi outorgado, no Rio de Janeiro, o Prêmio da União Brasileira de Escritores por seus 50 anos de Poesia.Editado pela Academia Paulista de Magistrados o livro “Tributo a Paulo Bomfim”. 
        Em 2004, é criado pelo Governo do Estado de São Paulo o “Prêmio Paulo Bomfim de Poesia”. 
        É hoje o Decano da Academia Paulista de Letras e Conselheiro do IMAE. 

        [1] ERNEST BECKER, A negação da morte – uma abordagem psicológica sobre a finitude humana, Rio de Janeiro-São Paulo, Record, 2007, p.73. 
        [2] MASLOW, Neurosis as a Failure,  p.163, apud ERNEST BECKER, op.cit., idem, p. 74. 
        [3] Idéia extraída de ERNEST BECKER, op.cit., idem, p.100 e seguintes. 
        [4] ERNEST BECKER, op.cit., idem, p.101. 
        [5] ERNEST BECKER, op.cit., idem, p.187.

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