TJSP cria Anexo para aplicação da Lei Maria da Penha

    Um convênio entre o Ministério da Justiça e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo possibilitará a criação do Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, voltado à aplicação da “Lei Maria da Penha”. O convênio será firmado nesta segunda-feira (18/8) às 16 horas, no antigo Salão do Júri, no 2º andar do Palácio da Justiça. 
    A juíza de Direito Vanessa Ribeiro Mateus, auxiliar da capital, foi designada para responder pelo novo Juizado, Anexo à 8ª Vara Criminal, situada no Fórum Ministro Mário Guimarães, na Barra Funda, e da qual é titular a juíza de Direito Ivana David e auxiliar a magistrada Deborah Ciocci.  

Lei Maria da Penha 

    Um dos capítulos relevantes das transformações da vida moderna, conhecido em todo o Brasil, foi a criação da chamada “Lei Maria da Penha” (11.340/06), em vigor desde 22 setembro de 2006 para proteger a mulher da violência doméstica. O Brasil foi o 18º país da América Latina a criar uma lei específica para este tipo de caso. 
    No ano de 2006, de acordo com estatística do Setor Técnico de Apoio às Delegacias de Defesa da Mulher do Estado de São Paulo, foram registradas 187.282 ocorrências contra a mulher. Desse total, 92.682 foram denúncias de lesões corporais dolosas, 4.402 de maus tratos e 90.198 de ameaças. 
    A pesquisa foi feita nas 128 delegacias especiais que atendem mulheres. Desse total, nove estão na capital, 13 na Grande São Paulo e 106 no interior, o que representa 40% do total de delegacias de defesa da mulher em todo o Brasil. A primeira delas foi instalada em 1985 no Parque Dom Pedro, centro de São Paulo. 
    Segundo outra pesquisa, da Fundação Perseu Abramo (FPA) – espaço para o desenvolvimento de atividades de reflexão política, estudos e pesquisas – registram-se no país mais de 2 milhões de casos de violência doméstica por ano. A Secretaria de Políticas para as Mulheres, do Governo Federal, disponibilizou o número 180 para denúncias de violência doméstica, desde a promulgação da lei. O telefone recebe 3 mil ligações por dia. O espancamento atinge quatro mulheres por minuto no Brasil.  

Novas varas 

    Acompanhando de perto o tema e rapidamente se ajustando aos novos tempos, o Tribunal de Justiça de São Paulo aprovou no dia 4 outubro de 2006 a alteração das varas criminais dos fóruns regionais da capital para que passassem a acumular a competência para julgar casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. 
    A medida passou a valer logo no dia seguinte à data da publicação no Diário Oficial do Poder Judiciário. As varas criminais instaladas nos fóruns regionais da capital agora se chamam, cada uma delas, Vara Criminal e do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher.  
    A nova lei substituiu a 9.099/95 em determinados tipos de delitos, sobretudo os de violência contra familiares, sem se limitar aos de menor poder ofensivo. A lei 9.099/95 criou os Juizados Especiais Criminais, prevendo penas mais brandas aos maus tratos em família, como pagamento de multa ou cestas básicas e prestação de serviços comunitários. 
    Desde a nova definição de competência, as varas vêm dando mais agilidade aos processos. As investigações são mais detalhadas, incluindo depoimentos de testemunhas. 
    Dentro do processo de adaptação, o TJSP decidiu que a competência para julgar ações de separação de casais continua com as varas de Família e Sucessões, com exceção dos casos em que há pedido de proteção por parte de mulheres vítimas de maus-tratos. A Lei Maria da Penha gerou uma dúvida sobre a competência para julgar casos envolvendo violência doméstica. A questão era se uma ação de separação de corpos, preparatória de futura ação de separação judicial, deveria ser processada pelas varas criminais. 
    A competência acabou firmada em dois casos julgados na Câmara Especial do TJSP. No entendimento do Tribunal, deve-se determinar a competência de uma vara criminal quando houver pedido de medidas preventivas de urgência, conforme a Lei Maria da Penha, apresentado no momento de fazer o boletim de ocorrência por suposta prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.   

A personagem  

    A cearense Maria da Penha Maia Fernandes batalhou durante 20 anos para ver seu agressor condenado, numa luta que fez dela um símbolo do combate à violência doméstica no Brasil, a ponto de batizar a lei aprovada no ano passado no Congresso Nacional e imediatamente sancionada pelo presidente da República. 
    Em 1983, seu marido, o professor universitário, Marco Antonio Heredia Viveros, colombiano naturalizado brasileiro, tentou matá-la duas vezes. Na primeira, deu um tiro que a deixou paraplégica. Na segunda, tentou eletrocutá-la. Na época, Maria da Penha tinha 38 anos e três filhas, entre 2 e 6 anos de idade. 
    A investigação começou em junho do mesmo ano, mas a denúncia só foi apresentada ao Ministério Público Estadual do Ceará em setembro de 1984. Oito anos depois, Heredia foi condenado a oito anos de prisão mas conseguiu anular o julgamento. No segundo, em 1996, foi novamente condenado e voltou a recorrer, permanecendo em liberdade. 
    Em 1997, Maria da Penha ingressou, em parceria com o Centro de Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), organização não-governamental com status consultivo junto às Nações Unidas, com denúncia no Comitê Latino Americano de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).  Foi a primeira vez que o Comitê acatou um  caso de crime de violência doméstica. Heredia foi preso em 28 de outubro de 2002 e cumpriu dois anos em regime fechado. Hoje está em regime semi-aberto em Natal, no Rio Grande do Norte. 
    Após as tentativas de homicídio, Maria da Penha começou a atuar em movimentos sociais contra violência e impunidade e faz parte da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV) no Ceará, da qual já foi coordenadora.  
    "Eu acho que a sociedade estava aguardando essa lei. A mulher não deve ter vergonha (de denunciar). Antes, raramente a mulher tinha condição de fazer a denúncia e ser atendida na preservação da sua vida", diz ela sobre a lei que leva seu nome. Maria da Penha recomenda que a mulher tome a iniciativa já a partir da primeira agressão. "Não adianta conviver porque a cada dia essa agressão vai aumentar e terminar em assassinato". 
    Ela lembra ainda que quando foi agredida havia poucos recursos do governo às vítimas de violência doméstica. “Resolvi procurar ajuda e orientação nas organizações não-governamentais. Foi dessa maneira que conheci pessoas e instituições engajadas no combate à violência contra a mulher”, explica.

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