Nas proximidades da rodovia Presidente Dutra, a meio caminho entre São Paulo e Rio de Janeiro ergue-se, sobranceira, a imponente Basílica Nova de Aparecida, hoje capital mariana do Brasil, que ocupa cerca de vinte e quatro mil metros quadrados do terreno em que foi edificada, para melhor acomodar os milhares de peregrinos que procuravam a Basílica Velha, atraídos por uma relíquia resgatada do fundo do rio Paraíba por três pescadores, à época em que o Conde de Assumar, em trânsito pela Vila de Guaratinguetá, se dirigia a Minas Gerais a fim de assumir o governo da Capitania em 1717.
A construção da primitiva capela, erguida no alto do “Morro dos Coqueiros”, iniciada em 1741, alongou-se por quatro anos, sendo inaugurada nos primeiros meses de 1745 por ocasião da festa de Santana, recebendo, então, o nome popular de “Capela da Aparecida”, ainda sem as respectivas torres, que foram acrescidas à sua modesta fachada, o da direita em 1859 e o da esquerda concluída somente em 1864, época em que as paredes de taipa da igreja foram substituídas por alvenaria.
As torres apresentam, no topo, uma esfera, uma cruz e um galo, símbolos do cristianismo primitivo, obra do artista João Júlio Gustavo, hoje bastante descaracterizados em virtude dos para-raios acoplados em cada conjunto.
O novo templo, elevado à dignidade de Santuário, desde 1825, foi solenemente inaugurado por Dom Lino Deodato, Bispo de São Paulo em 1888, com profundas modificações em sua estrutura, notando-se um acentuado incremento na visitação dos peregrinos, a partir da coroação da imagem, em 1904, com uma preciosa jóia doada pela princesa Isabel, passando à Basílica Menor, e, por isso, solenemente sagrada em setembro de 1900 por D. Duarte Leopoldo e Silva, 1º Arcebispo de São Paulo.
Até o advento da República, a administração espiritual e secular da capela esteve ligada à sua matriz, na Paróquia de Santo Antonio de Guaratinguetá, nascendo em torno dela um povoado que, ao correr dos anos, ganhou o “status” de Distrito, que se tornou, mais tarde, município autônomo e comarca.
O Novo Santuário
O progressivo aumento das romarias devido às facilidades propiciadas pelos modernos meios de transporte, despertou no espírito das autoridades eclesiásticas a idéia da construção de um novo templo, mais amplo do que a Basílica Velha, como preconizado por Dom José Gaspar, em 1939, para servir de sede à Padroeira do Brasil, chegando a cogitar-se a aquisição de um terreno numa região não muito distante do centro de Aparecida, conhecido pelo nome de “Morro do Cruzeiro”, com a vantagem de ficar a salvo do barulho da cidade e de seu comércio.
O projeto, porém, embora contasse com os esboços do arquiteto Clemente Holtzmeister, em abril de 1940, na expectativa do lançamento da pedra fundamental após o encerramento do IV Congresso Eucarístico Nacional, não pôde ser executado, porque o saudoso Arcebispo de São Paulo, no dia 27 de agosto de 1943, perdera a vida quando voava para o Rio de Janeiro, ao chocar- se o avião contra a Escola Naval, na Baia da Guanabara, precipitando-se no mar.
Com a morte do ilustre prelado, a transação imobiliária ficou suspensa até a nomeação de seu sucessor, Dom Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta, que se comprometeu, solenemente, a dar continuidade ao projeto aventado por seu antecessor.
A pedra fundamental da nova Basílica foi lançada no dia 8 de setembro de 1946, por ocasião da festa comemorativa da “Coroação da Imagem”, que foi levada em solene procissão até o local onde hoje se ergue o Santuário, em ato oficiado pelo Cardeal Patriarca de Lisboa, Dom Manoel Cerejeira, com a presença do clero e demais autoridades civis, dando início à construção do templo, cujas obras se prolongaram até fins da década de 70, sendo parcialmente inaugurada, no dia 12 de outubro de 1974, posteriormente declarado feriado nacional , quando da visita do Papa João Paulo II ao Brasil em 4 de julho de 1980.
Uma Pesca Miraculosa
Como se viu, o encontro da veneranda imagem remonta aos primórdios do século XVIII, quando alguns pescadores da pequena Vila de Santo Antonio de Guaratinguetá foram notificados pelo Capitão-Mór Domingos Antunes Fialho e demais camaristas para providenciarem os peixes necessários ao banquete que as autoridades locais pretendiam oferecer ao Governador de Capitania e sua numerosa comitiva.
Consta que entre os vários pescadores que atenderam a notificação encontravam-se três, cujos nomes foram anotados pelo Padre João Alves Vilella, no Livro Tombo da paróquia de Guaratinguetá, e eram Domingos Garcia, João Alves e Felipe Pedroso que lançaram suas redes nas águas do Paraíba, na altura do Porto de José Carneiro Leite, sem êxito, repetindo o lanço nas proximidades do Porto de Itaguaçú, onde a rede de João Alves retirou das águas o corpo da imagem de Nossa Senhora, em terracota, e, mais adiante, a própria cabeça da imagem, a partir da qual a pesca tornou-se tão copiosa que os pescadores temerosos de naufragar com suas canoas repletas, resolveram interromper a pescaria.
Felipe Pedroso, segundo a tradição, conservou a imagem em sua casa durante seis anos, mais ou menos, levando-a depois para a Ponte Alta, onde ela permaneceu por mais nove anos, até confiá-la ao seu filho Atanasio Pedroso que lhe fez um oratório de madeira, assiduamente procurado por vizinhos, aos sábados, “a fim de cantar o terço e demais devoções”.
Os prodígios atribuídos à estatueta, devidamente recomposta, de trinta e seis centímetros de altura, espalharam-se pela região, tornando-se objeto de freqüentes visitações, de maneira a reclamar a mudança da prodigiosa imagem para uma capela maior que se viu edificada no cume do “Morro dos Coqueiros”, ali se realizando a primeira missa no dia 26 de julho de 1745.
Com o decurso dos anos, a capela tornou-se demasiadamente exígua para conter os devotos, mostrando-se necessário a construção de uma igreja capaz de abrigar os peregrinos, cuja administração após a morte de D. Lino, tocou ao bispo D. Joaquim Arcoverde, que resolveu entregar o cuidado do Santuário aos missionários redentoristas, recentemente chegados da Baviera, como era desejo de seu antecessor (cf. Pe. Júlio J. Brustoline, “A Senhora da Conceição Aparecida”).
A Missão Política do Conde de Assumar
A histórica jornada de D. Pedro de Almeida Portugal, pelo Vale do Paraíba, tinha por objetivo, entre outros fins de caráter meramente administrativo, o estabelecimento de uma Casa de Fundição em Vila Rica, com vistas à mudança do processo de arrecadação do imposto sobre o ouro até então cobrado na base da “finta” que alguns mineradores receberam de má vontade, entre eles Pascoal da Silva e o famigerado reinol Felipe dos Santos Freire, que a “historiografia romântica”, na expressão de João Camilo de Oliveira Torres (“História de Minas Gerais”, vol. I, pág. 332), elevou “às alturas de precursor da nossa Independência e da República”, sabido que esse movimento sedicioso”, na região aurífera, não passou de “mais um capítulo da luta dos mineradores contra a voracidade do fisco”, consoante opinião de Feu de Carvalho, apoiado em documentação coeva, referente a sedição de 1720.
Aliás, de acordo com as “Instruções” trazidas pelo novo governador, o prazo para a implantação da Casa de Fundição seria de um ano, a partir de 23 de julho de 1719, constando que tal providência só foi efetivada na administração de seu sucessor, após a criação da capitania de Minas Gerais (1721), separada de São Paulo, a despeito das freqüentes reclamações dos mineradores acerca do modo como se fazia o desconto do tributo em Vila Rica, onde os mais pobres eram obrigados a longas viagens a fim de “quintar” o ouro produzido.
Mais tarde, para contornar essa dificuldade, o Poder Público determinou que se fizessem, à custa da Fazenda Real, tantas Casas de Fundição quantas se mostrassem necessárias nas comarcas mais remotas, além de autorizar a redução do percentual do quinto, de 20% para 12%, com vistas à melhoria da arrecadação, cuja quota tinha sido fixada, ao tempo de D. José I, em 100 arrobas anuais, dando motivo à insurreição de 1789, de trágicas conseqüências para os réus da Inconfidência.
O Conde de Assumar, depois de passar o cargo a D. Lourenço de Almeida, investido nas funções de Governador e Capitão General de Minas Gerais, retornou à Metrópole, onde recebeu novas e importantes missões, sobretudo na Índia Portuguesa, destacando-se na consolidação dos territórios ocupados por Portugal, inclusive a Praça de Alorna, que lhe deu mais um título – Marques de Alorna - ali permanecendo até passar o cargo a seu sucessor, acompanhado de “Instruções” de utilíssima leitura para os estudiosos da história do domínio lusitano naquela região (cf. “Nobreza de Portugal e do Brasil”, vol. II, pág.250).
Emeric Lévay – Foi Desembargador Coordenador do Museu do Tribunal de Justiça de São Paulo, Professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie - Membro da Academia Paulista de História - do Conselho Estadual de Honrarias e Mérito e Sócio-titular do I.H.G.S.P.