Autoridades participam de debate sobre uso de algemas
Autoridades de diversas áreas relacionadas ao Direito estiveram nesta quarta-feira (27/8) no Fórum Criminal da Barra Funda, participando do painel “Uso de algemas e o Supremo Tribunal Federal: debate sobre a polêmica súmula vinculante nº 11”.
Na abertura do evento, o juiz diretor do Fórum da Barra Funda, Alex Tadeu Monteiro Zilenovski, agradeceu a presença dos expositores e do público, e ressaltou a importância do encontro: “Diante de um tema novo e polêmico como esse e para elucidar a súmula vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal (STF), o juiz Rodrigo Capez, da 4ª Vara Criminal de Guarulhos, teve a idéia de realizar esse debate, que conta com todo o nosso apoio”.
O presidente da mesa, juiz Rodrigo Capez, afirmou que, antes desse painel, “já havia um interesse latente de todos os operadores do Direito e autoridades da segurança pública em debater o assunto, que gerou perplexidade na sociedade e inúmeros questionamentos no meio jurídico”.
O primeiro expositor a falar foi Fernando Capez, deputado estadual e promotor de Justiça licenciado. “Comparo essa situação a um movimento pendular. Houve um toque de um lado (a edição da súmula nº 11) e uma reação do outro. A questão é simples e pode ser resolvida com base na expressão ‘bom senso’, que, inclusive, é uma expressão com conteúdo jurídico. Por lei, um amplo debate deveria ter sido realizado antes da edição da súmula, mas isso não aconteceu”, afirmou o deputado.
“A excepcionalidade do uso de algemas deve ser justificada, de acordo com a súmula do STF. Mas, em casos como prisões em flagrante, precisamos entender que a dúvida milita em favor do policial e da sociedade. Não podemos nos esquecer que a súmula vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal se refere a situações extremas. A razão está no meio termo, no equilíbrio e na razoabilidade”, concluiu Fernando Capez.
Em seguida, foi a vez de Alexandre de Moraes, secretário municipal de Transportes de São Paulo, ex-promotor de Justiça e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Para ele, “estamos vendo fantasmas onde não há. O Poder Judiciário está atuando mais contra a súmula do que contra o seu conteúdo. Não há ainda no Brasil uma cultura de respeito a súmulas vinculantes. Elas ainda estão sendo digeridas. O fato é que o STF aproveitou a prisão do banqueiro Daniel Dantas para editar a súmula nº 11. É preciso que se aplique o mecanismo da distinção, ou seja, o juiz deverá analisar a súmula e também os precedentes que deram origem a ela ao tomar cada decisão. Acredito que em pouquíssimos casos o STF anulará atos judiciais por conta da desnecessidade do uso de algemas no tocante à sumula, a qual certamente será reduzida se o Poder Legislativo criar uma lei contrária a ela”.
Para o ex-promotor de Justiça, ex-juiz e presidente da Rede de Ensino LFG, Luiz Flávio Gomes, “esse debate está colocado no País e merece uma reflexão. Houve abusos pontuais da Polícia Federal e de magistrados no uso de algemas. Referente a isso, a mídia está destruindo parte da polícia e da Justiça. O tempo da Justiça não é o tempo da mídia, que está enriquecendo com a espetacularização. Num Estado constitucional de Direito que quer atingir um padrão internacional de civilização, não podemos permitir esse tipo de situação. Com a súmula vinculante nº 11, o Supremo Tribunal Federal reagiu contra uma omissão legislativa. Há de se ter sensatez e equilíbrio para interpretá-la. Vale frisar que o STF não criou nada novo, pois está apenas sintetizando em suas súmulas aquilo que encontra em textos legais ou constitucionais. Corroborando o que disse Fernando Capez, o que o Supremo quer com essa súmula é a razoabilidade. As súmulas são um movimento novo ao qual temos de nos adaptar. Para a avaliação do uso de algemas, deve-se levar em conta a necessidade, a adequação e a relação custo-benefício. Quando necessário, que se faça o uso, mas sem humilhação. Quero encerrar dizendo que o melhor caminho para a Justiça criminal no Brasil é a Justiça consensuada”.
Leandro Daielo Coimbra, superintendente da Polícia Federal em São Paulo, falou sobre o tema sob o ponto de vista policial. “O ser humano tem um instinto natural de fuga. Para o uso de algemas, deve-se levar em consideração a presunção de risco. Na perspectiva da polícia, a algema serve para preservar a segurança do preso, do corpo de policiais e de terceiros”, disse Leandro Daielo.
Na seqüência, Alberto Zacharias Toron, advogado criminalista e secretário geral adjunto do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), mostrou-se contrário ao uso indiscriminado de algemas. “O debate de hoje é uma iniciativa oportuna que nos permite refletir sobre algo que transcende a fronteira do Direito Penal, alcança a esfera do Direito Constitucional e atinge toda a sociedade”, afirmou.
“A súmula vinculante nº 11 do STF veio para mostrar que no Brasil se cumpre a lei. Errar, todos nós erramos, mas não podemos compactuar com a humilhação. O que se quer evitar com essa súmula é o abuso. Precisamos de um País seguro, o que inclui evitar exageros. O meio termo e o bom senso são necessários para que a polícia presida seus atos segundo as regras do Estado de Direito”, finalizou Toron.
O expositor Paulo Bicudo, delegado geral de polícia adjunto de São Paulo, explicou que a súmula 11 não atingiu de frente a Polícia Civil: “As ações da Polícia Civil permanecem sendo pautadas pelo princípio da legalidade. O que essa súmula traz à luz é a reflexão sobre uma possível reedição da obrigatoriedade do livro de registro do uso de algemas nas delegacias”.
Ao fazer uso da palavra, o presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), desembargador Henrique Nelson Calandra, salientou que “no Brasil, não temos tradição de respeitar direitos fundamentais e há uma premissa: os fins justificam os meios. A súmula vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal foi produzida em um momento de tensão e sua grande novidade é o fato de ter introduzido a justificação por escrito da necessidade do uso de algemas”.
“Somos uma sociedade livre e agiremos sempre com autonomia e coragem, características do povo brasileiro”, disse o desembargador Henrique Calandra, que adiantou que a Apamagis apresentará ao STF um memorial a respeito do tema.
Ao final, o debatedor do painel, juiz Alex Zilenovski, diretor do Fórum Criminal Ministro Mário Guimarães, levantou a dúvida sobre como deve ser o procedimento em relação ao transporte coletivo de presos aos fóruns para audiências e julgamentos. Os expositores, em consonância, entenderam que a solução pode ser, por exemplo, a edição de um provimento, pela Corregedoria Geral da Justiça, disciplinando a questão. Quanto à possibilidade de nulidade de prisão por abuso no emprego de algemas, situação citada pelo juiz da 4ª Vara Criminal de Guarulhos, Rodrigo Capez, entendeu-se que será uma questão de interpretação de cada magistrado.
O presidente da Apamagis, desembargador Henrique Nelson Calandra, a pedido do juiz Alex Tadeu Monteiro Zilenovski, encaminhará ao Tribunal de Justiça de São Paulo um balanço do que foi discutido no painel “Uso de algemas e o Supremo Tribunal Federal: debate sobre a polêmica súmula vinculante nº 11”.