A bailarina do sentir brilha nas Paralimpíadas de Londres
Ao chegar ao Juizado Especial Cível (JEC) da Vergueiro, do Tribunal de Justiça de São Paulo, você encontra no guichê de atendimento ao público alguém muito especial: trata-se de Marina Alonso Guimarães, uma das representantes brasileiras nas Paralimpíadas 2012, que aconteceram em Londres entre 29 de agosto e 9 de setembro.
Marina tem 26 anos e é deficiente visual. Ela nasceu de seis meses de gestação e ficou 47 dias na incubadora. Sua mãe percebeu sua deficiência quando tinha cinco meses. A bailarina conta que houve um excesso de oxigenação e os médicos disseram que a retina não se formou por ter nascido antes do tempo. Mas ela não sabe se isso corresponde à verdade ou se foi dito para acobertar o que houve.
Atenciosa, Marina recebe as informações daqueles que buscam a Justiça mais rápida por meio do JEC e elabora as petições iniciais. Ao final, seu chefe, João Carlos Twardowsky, ou outro escrevente, faz a verificação para saber se está tudo certo.
João ressalta que, quando Marina chegou, ele avisou que passaria serviço e a treinaria. “Ela tem que se sentir útil. No início, eu precisava mexer um pouco no texto, mas agora isso é muito raro, quase não precisa. Quando é necessária alguma alteração, é apenas na formatação ou nas letras trocadas em decorrência do sistema de leitura utilizado por ela”, elogia o chefe. João diz também que Marina faz atendimento telefônico e orienta as pessoas. Serviço para ela não falta e o chefe assegura que Marina é ágil. “Ela demora um pouco quando o caso requer atenção de uma petição mais elaborada para se conseguir a liminar, como essa que ela acabou de fazer.” O caso era de uma paciente – dependente do marido em um plano de saúde – que fez cirurgia para retirada de um câncer e o convênio não queria cobrir a quimioterapia.
A dançarina é formada em nutrição, mas fala que sua área é pouco valorizada e, por ser deficiente, as pessoas não acreditam muito nela. Marina trabalhou por quase quatro anos em empresas privadas. “As empresas encostam. Trabalha-se pouco e ganha-se pouco também. Não era isso o que eu queria, estava me sentindo inútil."
A artista é a segunda filha de Miriam e Marco Guimarães; ambos vão juntos ao curso de inglês. No entanto, para sair de casa, Marina não depende deles nem dos irmãos, Marcela e Max. Sua semana é muito ocupada com aulas. Além do inglês, pilates, balé e sapateado também fazem parte da sua vida.
O TJSP na sua vida – A mãe de Marina é servidora do Judiciário e o pai é bancário aposentado, mas o que a levou mesmo para a carreira pública foi a desvalorização encontrada nas empresas privadas, e, assim, começou a ser concurseira. Ao resolver estudar, encontrou mais um obstáculo: a falta de adaptação para deficiente. Ela precisava dos arquivos em PDF e as editoras não os disponibilizavam. Entretanto, não desistia. Depois de levar muitos “nãos”, um dia Marina explicou o caso dela, e eis que aí um "anjo da guarda" apareceu na vida da estudante. O “anjo” passava o material em PDF e ela conseguia estudar. Há quase dois anos é escrevente do Tribunal de Justiça de São Paulo.
A dança – O sangue artístico começou a correr nas veias da Marina quando tinha dez anos e estudava em um colégio de freiras especializado em deficiência visual. Desde pequena andava de bicicleta e patins, mas balé... ela nem pensava nisso. Ao contrário, até desestimulava as amigas que faziam a dança. Um belo dia, as irmãs educadoras a convidaram para o aprendizado. Ela explica que o método é baseado no toque ou ensina o passo decomposto. Com o toque ensina-se passo por passo e aprende-se o nome de cada um deles. "Você decora a coreografia com o tempo da música. Não pode nem acelerar nem atrasar, tudo tem que ser de acordo com o tempo, como os demais bailarinos não deficientes, mas não podemos errar porque não dá para copiar depois."
Marina já participou de categorias de deficientes, às vezes como convidada, em mostra (para exibir o trabalho) ou para competir. "Eu queria competir desde o início. Muitas vezes, a professora Fernanda bateu com a cara na porta, mas mesmo assim insistia até que, um dia, um organizador do festival de inverno de um teatro em São Paulo aceitou." Ela e mais três bailarinas deficientes visuais (Aldenice, Geysa e Gisele) se apresentaram e fizeram tanto sucesso que foram convidadas a voltar no dia seguinte. Isso contribuiu para a categoria de deficientes competir. A bailarina ressalta que, no início, diziam que tudo era lindo, depois começaram a cobrar mais, como se fosse uma companhia de dança de 'não deficientes'. "Tudo bem, nada é perfeito, sempre tem algo para melhorar."
Empresas convidam a companhia para realizar apresentação motivacional a seus funcionários. As meninas fazem interação de vivência, ou seja, vendam os olhos das pessoas e andam com elas no palco, guiadas pelas deficientes.
As Paralimpíadas – A bailarina conta que, quando soube que elas haviam sido selecionadas para participar das Paralimpíadas de Londres, não acreditou até receber a carta-convite. "Eles estavam procurando um grupo de dança e chegaram a nós. A nossa companhia de balé clássico de deficientes é a única do mundo de que se tem notícia. Eu não sabia sambar e tive que aprender em dois meses. Não sou sambista, mas dá para enganar", brinca. "No balé os movimentos das pernas são precisos e é mais fácil para ‘visualizar’; no samba o movimento é desconectado, mais louco e não dá para saber como é, pois eu nunca vi um corpo se movimentando."
Marina tirou 15 dias de férias e foi para Londres. “Ensaiávamos diariamente e por muitas horas, nada poderia dar errado”, diz. “Isso não impediu de passearmos. Tiramos fotos na rua dos Beatles, fomos a pubs e restaurantes e andamos no parque. Aproveitamos cada minutinho. Fomos conhecer o Royal Ballet, colocamos a sapatilha e dançamos um pouco."
A bailarina destaca: "foram os 30 segundos mais suados da minha vida e os mais maravilhosos também. Mudou muito durante o ensaio, tudo era cronometrado com as demais apresentações. É muito complicado, muita gente envolvida, nada poderia sair fora. Como gostaram do nosso trabalho, também entramos junto com os artistas brasileiros que participaram do encerramento das Paralimpíadas. Fomos muito bem recebidas, tratadas e cuidadas. Fomos muito responsáveis e disciplinadas. No horário marcado de ensaio estávamos todas lá, sem nos atrasar".
Marina reclama da falta de patrocínio. "Há muitas promessas que não são concretizadas." Se acontecer, o patrocínio será muito bem-vindo.
Projeto Jus_Social – Esse texto faz parte do Projeto Jus_Social, implementado em março de 2011. Consiste na publicação no site do TJSP, sempre no primeiro minuto do primeiro dia de cada mês, de um texto diferente do padrão técnico-jurídico-institucional. São histórias de vida, habilidades, curiosidades, exemplos de experiências que pautam as notícias publicadas sobre aqueles que – de alguma forma – realizam atividades que se destacam entre os servidores ou magistrados. Pode ser no esporte, campanhas sociais, no trabalho diário, enfim, qualquer atividade ou ação que o diferencie. Com isso, anônimos ganham vida e são apresentados.
NR: Participe. Envie sugestões de pauta sobre magistrados e servidores do Poder Judiciário para o e-mail da Comunicação Social.
Comunicação Social TJSP – LV (texto) / Arquivo pessoal (fotos)
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