SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO

Doutrina

Comunicado

O uso da Ação Monitória em Título Judicial Prescrito -

Lígia Cristina de Araújo Bisogni,
Desembargadora da 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo e integrante do quadro de docentes da Escola Paulista da Magistratura


O objetivo da abordagem não é explanar sobre a ação monitória, cujo procedimento disciplinado 1.102a do Código de Processo Civil, foi admitida com extrema largueza jamais imaginada pelo legislador que a criou.

A questão ou, melhor, a hipótese de admissibilidade, nos exatos termos da lei, passa a despertar relevância no exato instante que o julgador se depara com a espécie de título judicial (sentença) que já perdeu a eficácia executiva, em razão do decurso do tempo, tal qual ocorre com outros títulos de crédito que, respeitado o prazo vigente na lei, pode ser objeto de execução.

O caso concreto que ora me reporto foi em sede de ação monitória, em que a parte buscava receber honorários advocatícios, decorrentes de sucumbência e, que em sede de execução foi, em via de embargos opostos pelo devedor (ainda no regime anterior a Reforma Processual –Lei 11.382, de 06.12.2006), proclamada a prescrição e aceita pelo credor.

Com o encerramento definitivo da execução, por força do reconhecimento da pretensão executiva, não tardou o credor em ingressar com a ação monitória, tendo como base a prova da sentença judicial, repita-se, sem eficácia de título executivo.

Em que pese as demais questões ventiladas no feito, me permito, para fins deste artigo, enfrentar o tema principal que se reserva ao cabimento ou não da ação em destaque para a hipótese que ora descrevo.

A ação monitória intentada pelo autor foi com objetivo de “renovar” eficácia executiva anteriormente presente em título que perdeu, originariamente, pela própria natureza, formação e categoria que se insere no ordenamento jurídico, a exeqüibilidade pelo decurso do tempo. Assim descrito o objeto desta monitória parece que nada há de excepcional se comparado aos inúmeros casos julgados desde o advento desse modelo de ação.

Em princípio, a leitura do artigo 1.102a do Diploma Processual Civil conferiu o uso da monitória para aquele que possuir “prova escrita sem eficácia de título executivo”, razão pela qual, a prescrição para as ações de execução não trancou a via jurisdicional para satisfação de cumprimento de obrigação de pagar ou receber coisa móvel. Todavia, embora após a entrada em vigor da Lei 9.079/95, que introduziu a ação monitória, tenha aumentado o acesso ao Judiciário, para demandas com o objeto acima citado, a possibilidade da via cognitiva sempre esteve ao alcance do credor, independente de ter ele perdido a via executiva.

Pois bem, se de um lado o legislador conferiu o uso da monitória para o portador de “prova escrita”, sem eficácia executiva, não se pode equiparar, para finalidade da referida ação monitória, um título judicial emprestando-lhe o mesmo valor que uma singela prova escrita, haja vista que esta última ainda se sujeita ao conhecimento e valoração de requisitos outros por parte do próprio Judiciário, enquanto aquele é resultado de uma vontade estatal.

E mais. Os títulos judiciais encerram um “comando”, aplicando a lei ao caso concreto em debate. Na técnica de CARNELUTTI, um “comando”, que qualifica a sentença e lhe confere o caráter de ato de vontade, vontade do juiz, como órgão do Estado (apud Moacyr Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 3º volume, 21ª edição, Ed.Saraiva, 2003, pág.11).

Por conseguinte, se a via da ação monitória objetiva agregar a executividade a um título que reúne condições intrínsecas e extrínsecas para servir como se fosse um título executivo extrajudicial, comportando debate e discussão sobre a causa debendi , qualidade das partes e demais elementos identificadores da ação até a formação da coisa julgada, torna-se imperioso verificar que, no caso concreto, diante da soberania da sentença e do conteúdo que ela encerra, a repetição da via jurisdicional está impossibilitada, sob pena de violação da própria coisa julgada, pois, a admissibilidade da monitória para hipótese como a presente, se está, a uma, submetendo uma sentença a um juízo de cognição sumária, pois assim se opera o processo monitório e, a duas, contemplando um juízo de probabilidade da existência de um direito que, no caso concreto, foi declarado na sentença. Há impossibilidade total!

Se isso não bastasse, a sentença que perdeu a eficácia executiva, conforme resultado dos embargos opostos à execução dos honorários restou por comprometer o próprio direito, ou o bem da vida que se buscou a satisfação (honorários advocatícios ), isto porque, conforme dispõe o artigo 25 da Lei 8.906/94 (Estatuto do Advogado) o prazo é de cinco anos para ação de cobrança, o que não permite que o credor de honorários acesse o Judiciário para haver seus honorários, ultrapassado esse prazo.

Com base nessas razões, entendi que para os títulos judiciais, que perdem a exeqüibilidade, não há medida ou procedimento que se possa renovar e permitir a reabertura de debate para o cumprimento.

Referido entendimento foi objeto do voto da minha relatoria, na apelação 7.042.543-7, acompanhado pelos demais colegas integrantes da Décima Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Assim pensando proclamou-se a extinção definitiva da pretensão (artigo 269, IV do CPC) que, considerando a natureza do prazo do artigo 25 do Diploma do Advogado, ainda foi possível reconhecer a decadência que possibilita o conhecimento de ofício.



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