Que destino eu tenho? Diálogo entre o cárcere e a sociedade por meio de peça teatral

             Ontem (15), um grupo de reeducandos do regime semiaberto da Penitenciária Adriano Marrey saiu da unidade prisional para levar à sociedade a realidade carcerária por meio de peça teatral apresentada no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

            O grupo, que nenhuma experiência tinha com teatro, ensaiou por quatro meses algumas situações vividas no cárcere, no dia a dia e também nas ruas, levando o público a refletir sobre as dificuldades encontradas, preconceitos e algumas situações do cotidiano. A plateia também teve a oportunidade de atuar com os reeducandos, em cenas que tinham como mote a busca de alternativas para os problemas.

            No primeiro ato, foi retratada a estrutura social familiar, principalmente a da população de baixa renda. Os atores encenaram uma situação em que a mãe precisava trabalhar e não tinha vaga em creche nem com quem deixar seus dois filhos. Primeiro, deixou com uma tia e, depois, no internato, mas em ambos os lugares as crianças sofreram agressões. Os meninos, cansados de apanhar, seguiram o caminho do crime. Outras cenas abordaram os serviços prestados dentro do sistema penitenciário, como atendimento médico e ambulatorial, e situações de preconceito vividas pelos egressos.

            O professor de teatro Jorge Spínola foi o mediador do diálogo entre a sociedade (estudantes) e o cárcere (sentenciados). Qual é o momento em que você se incomodou? Essa pergunta foi lançada por Jorge e as pessoas foram ao palco para contracenar com os atores na respectiva cena em busca de oferecer uma alternativa para a situação.

            Teresa Borges, professora de artes cênicas que abraçou a causa, disse que os reenducandos foram o melhor grupo com que trabalhou nos dez anos em que dá aula. "Um grupo que entende a linguagem teatral. O teatro é uma forma de comunicação muito potente no cárcere", afirmou.

            Todos os atores expuseram suas sensações em foram unânimes em dizer o quanto o teatro ajuda a mudar pensamentos e a trilhar um novo caminho. Roberto, um dos participantes do primeiro grupo, ressaltou que "quando acreditamos em algo e vamos atrás, a gente consegue. As portas se abrem quando temos determinações na vida. Às vezes nos limitamos, mas não podemos nos limitar nunca". Para finalizar, o público fez perguntas aos atores.

            O secretário da Administração Penitenciária, Lourival Gomes, contou uma passagem da época em que era diretor de unidade prisional: ele abriu as portas para um preso que acabara de ganhar a liberdade e que lhe dera uma lição de vida. "Vou lhe dizer algo. O senhor é obrigado a abrir as portas para mim, mas a sociedade as fecha". Lourival solicitou à comunidade que dê oportunidades às pessoas, porque elas não querem voltar para o cárcere, pelo sofrimento que passam.

            O juiz Jayme Garcia dos Santos Júnior, da Vara de Execuções Criminais e corregedor dos presídios de Guarulhos, atualmente auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça, idealizador de iniciativas de reinserção dos presos, afirma que o sistema carcerário não é um mero passar de tempo, algo imutável como muitos diziam.

            Ele declarou que, desde a época do estágio, trabalhava com execução criminal e já não concordava com a lógica estabelecida. Sonhava contribuir para mudar a situação. "Quando fui trabalhar em Guarulhos, a vida me presenteou com pessoas maravilhosas. Os funcionários do cartório da Vara de Execuções abraçaram meu sonho, com trabalho duro e com garra para buscar mudanças na lógica penitenciária. A penitenciária não é uma passagem, mas um local em que o preso deve perceber que causou dano à sociedade, mas vê na prisão um instrumento capaz de vislumbrar outra perspectiva de vida". Jayme assegurou que a vida lhe dera outros presentes, dentre eles os funcionários das penitenciárias que também não aceitavam a lógica de tratamento; o secretário Lourival; os sentenciados que também abraçaram seu sonho e quiseram mudar a realidade carcerária. No entanto, segundo ele, faltava a sociedade, que vem sendo atingida com a colaboração do professor Alvino Augusto de Sá, da USP, uma referência no sistema prisional que o ajudou a estabelecer parcerias importantes.

            O projeto cultural teve início em 2010 com apresentação de uma peça em 2011, por nove sentenciados. O resultado comprova que a iniciativa foi positiva, teve 100% de aproveitamento - dos nove egressos nenhum voltou ao crime. Alguns deles foram prestigiar a apresentação teatral e falaram de suas experiências e de como as atividades culturais os ajudaram a seguir outro caminho, a se ressocializar.

            O professor Alvino ressaltou que não quer que os egressos voltem ao crime, mas quer antes que sejam felizes. "Preconceitos vão existir e as portas terão que ser abertas por cada um de vocês. Para que você cresça, tem que ser forte para enfrentar a situação. A saída nunca está do lado de fora, está no crescimento interior", disse.

            A realização do evento pela Penitenciária Adriano Marrey teve o apoio do Tribunal de Justiça de São Paulo (Varas das Execuções Criminais de Guarulhos), Secretaria da Administração Penitenciária e Universidade de São Paulo. A coordenação foi de Teresa Borges, (diretora de teatro), Igor Rocha (diretor de produção e arte) e Valdinei A. Freitas (diretor de educação).

            Prestigiaram a apresentação o corregedor-geral da Justiça, desembargador José Renato Nalini; juízes auxiliares; representantes da Defensoria Pública;  estudantes; advogados e familiares dos sentenciados.

 

            Comunicação Social TJSP – LV (texto) / DS (fotos)

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