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Os desafios do estagiário Rafael Pereira Melo

        Quem entra no corredor do tradicional prédio do fórum de Caçapava, com seu piso antigo embelezando o ambiente, depara-se ao final, do lado direito, com uma janela para atendimento de advogados e público. Não tem como passar despercebido, sem parar e refletir sobre a vida e as supostas limitações, que, no primeiro computador há um cadeirante digitando com agilidade por meio de um capacete com ponteira. O professor da lição de vida e instigador da reflexão é Rafael Pereira Melo, o estagiário que mudou a rotina forense e a vida de muitas pessoas, possivelmente a de advogados, egressos e menores infratores que se espantam pela capacidade e vontade de trabalhar do garoto que, mesmo sem utilizar braços, mãos e pés, dá um show de atuação. Rafael é o homenageado deste mês pelo projeto Jus_Social.

        Início – Rafael Pereira Melo nasceu em novembro de 1996 com uma doença denominada artogripose múltipla congênita que ataca juntas e nervos, diminuindo também os músculos. Sua mãe somente descobriu o problema depois que lhe deu à luz, pois antes nunca dava certo de fazer o ultrassom. O menino nasceu fraco e atrofiado, os médicos desenganaram. Ele ficou um mês internado e teve que fazer muitas sessões de fisioterapia. O caçula dos três filhos de Maria Salete Pereira Gomes – mãe também de Isis Pereira e Pedro Henrique – foi quem enganou os médicos e hoje, apesar das limitações, está ‘vivinho da silva’ e é muito admirado pela história de vida, persistência, humor contagiante e seu excelente trabalho. Quando pequeno andava de quadriciclo, depois passou a usar cadeira de rodas. Sua mãe sempre o tratava com a maior naturalidade possível, nunca o mimou e sempre trabalhou para cuidar dos filhos “e isso promoveu a independência”, segundo Rafael. Entrou na escola com um ano de atraso e foi na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) que aprendeu a usar o capacete com ponteira, lidar com seu problema e se preparar para enfrentar as limitações e amenizar as dificuldades.

        No cartório do fórum, se alguém precisa de informações sobre qualquer coisa sobre celular é com o ‘Rafa’ que se fala. Ele adora WhatsApp, Facebook , joga videogames e sempre busca aprender também muita coisa sozinho. Sua vida é agitada. Duas vezes por semana estuda inglês pela manhã, à tarde cumpre suas quatro horas de estágio no fórum e, à noite, está terminando o 3º ano do ensino médio. Com sua cadeira de rodas, vai e volta sozinho do trabalho e, de ônibus, para a escola. Pretende cursar psicologia e trabalhar com doentes terminais. Rafael é caseiro, mas gosta de sair com amigos e irmãos para shows, carnaval e balada. Fala pouco, mas está sempre muito sorridente. O são-paulino roxo só fica amuado quando seu time perde, aí aguenta a carinha fechada!

        Chegada ao fórum – O jovem revelou que tinha muito receio de não ser aceito pelos demais servidores em seu primeiro emprego. “Tudo deu muito certo, fui bem recebido, as pessoas se preocupam comigo e gosto muito de trabalhar no fórum”. A juíza Simone Cristina de Oliveira Souza e Silva recordou o momento em que souberam que receberiam um estagiário com artogripose múltipla congênita. Ela e a escrivã Soraya Margaret Marton ficaram muito preocupadas ao saber das limitações de Rafael, pois seu perfil era mais de empresa e não de um fórum em que se trabalha com manuseio de processos e papéis, não havia espaço adequado para acolhê-lo. Diante das circunstâncias, elas poderiam até falar que o jovem não teria aptidão para exercer as atividades forenses, mas jamais tomariam essa atitude. “O Poder Judiciário não poderia ficar alheio a essa oportunidade”, assegura a magistrada.

        Soraya, diretora do ofício por mais de 20 anos, à beira da aposentadoria, já encontrou muitos obstáculos em sua trajetória, mas acreditava que esse seria um grande problema. Ela conta que ficou sem dormir direito por várias noites. A mãe de Rafael, toda orgulhosa, disse que todos ficariam surpresos quando vissem o que ele poderiam fazer. O que precisava era lhe dar lanche por volta das 16 horas. “Mãe é mãe, não acreditei muito e o desespero tomou conta”, lembra Soraya rindo. O cartório possui muitos processos, muito serviço e parar um funcionário para ajudá-lo também as preocupavam. Entretanto, tudo se resolveu de forma magnífica. A aceitação foi completa e o esforço de Rafael contagiou e despertou a solidariedade entres as pessoas. Algumas servidoras se destacam no apoio a Rafael, mas a colaboração parte de todos, desde a juíza aos estagiários. “O Rafael não foi problema nenhum, ao contrário, foi solução para outros problemas como o caso da Therezinha que, com a chegada dele, teve a vida transformada. Ela se acalmou e mudou seu comportamento e atitudes e o Rafa ganhou uma mãe forense”, revela Soraya.  

        Em prantos Therezinha de Jesus Santos conta que andava estressada por conta do serviço, já trabalhava há muitos anos e tinha tempo para se aposentar. Mas Rafael chegou, seus planos mudaram e ela o “adotou”. Apegou-se a ele de tal forma que a convivência mudou seus planos e atitudes. ”Todo mundo ajuda, mas eu e o Rafael formamos uma duplinha de trabalho e eu fui ficando... ficando... e depois surgiu a oportunidade de fazer o curso, prestar a prova e me tornar a escrevente”, revela Therezinha. “Talvez se o Rafael não estivesse aqui eu teria me aposentado como agente judiciário. Um acabou ajudando o outro e gerando uma energia muito positiva entre nós”, completa Therezinha. É ela quem organiza o serviço executado por ele e lhe dá o lanche na ausência de Soraya. Ana Cristina Barbosa é a funcionária que leva todas as tardes Rafael para descer a rampa de saída do prédio e que, à vezes, também recebe a ajuda do segurança. “Ele é exemplo para todos. Precisamos de exemplos como esse trabalhando em qualquer local, não somente no Tribunal de Justiça. Todos deveriam passar por experiência como essa porque vale muito a pena”, assegura Ana.

        Para a juíza Simone Cristina, “a presença do Rafael modificou não somente o ambiente em relação aos funcionários, mas também aos advogados que se tornaram mais solidários, mais compreensivos. Ficaram tocados por serem atendidos por uma pessoa que se esforça para oferecer o seu melhor e o faz dentro das suas limitações”, diz. O chefe de Seção Cível, Rodrigo Nunes de Almeida Alves, é quem sempre busca alternativas para a inclusão de Rafael nas atividades executadas pelo setor. “Temos confiança plena no trabalho dele, ele faz tudo certo e ‘pega’ o serviço muito rápido. Está sempre feliz e não reclama de nada, exceto quando seu time perde. Ele possui severas deficiências físicas que o limita demais, não mexem os membros até o pescoço. Todos os dias tem que enfrentar desafios, como trocar de roupas, tomar de banho e se alimentar. Fico triste que Caçapava não está preparada para ele, tem pouco rebaixamento de guias”. Rodrigo diz que sempre os funcionários o ajudam com as ferramentas necessárias, buscando incrementá-las. “Arrumamos a cadeira de rodas e fizemos uma ‘vaquinha’ para trocar o equipamento que utiliza na cabeça para digitar e escrever, tornando-o mais leve e confortável. O Rafael é muito importante para nós. Agora, com a recente implantação de processos digitais na comarca, as suas atribuições podem aumentar, ele poderá exercer quase todas as atividades do cartório”, garante o chefe. Inicialmente, Rafael foi direcionado ao atendimento de balcão onde se destacou. Percebendo sua aptidão pela informática, passou a fazer consultas das petições protocoladas. Ele digita os números dos processos e o local físico onde se encontram salvando em Word para imprimir. Digita com rapidez e separa as petições pesquisadas com uma ponteira e as joga na cadeira, onde são recolhidas e colocadas em ordem. Rafa trabalha próximo ao balcão de atendimento, de onde consegue ouvir os pedidos dos advogados e, por incontáveis vezes, quando o funcionário chega para atender o advogado, ele já pesquisou e diz onde o processo se encontra. O jovem também faz relação de malotes e mandados para a Central de Mandados.

        O mesmo cartório tem no seu quadro de funcionários há cerca de 10 anos o escrevente Oscar Miranda, portador da doença mielomeningocele que o deixou com limitações no andar. Ele trabalha próximo a Rafael.

        Mensagem – o homenageado registra um recado: “Não se pode deixar de sonhar. Tem que buscar sempre superar os limites e não ver dificuldades em nada e saber que é uma pessoa normal como qualquer outra, apesar das limitações. Enfrente os desafios!”. A juíza Simone Cristina também deixa uma mensagem: “Sugiro que todos deveriam se dar essa oportunidade de trabalhar ou conviver com pessoa que tem limitação. Quem recebe o maior bem somos nós pela oportunidade de exercer a solidariedade e a generosidade, algo intrínseco ao ser humano, mas que, às vezes, precisamos de uma situação externa, uma circunstância drástica que nos faça lembrar-se disso. O estagiário foi surpresa total, contribui para deixar o cartório extremamente organizado, as juntadas em dia”, conclui a magistrada. Na próxima sexta-feira (6), Rafael plantará no canteiro da sua vida o 19º botão para florescer em seu jardim. Os integrantes do Judiciário paulista desejam que você, Rafa, continue iluminando o caminho por onde passa e deixando sua marca no coração de cada um. 

        
Comunicação Social TJSP – LV (texto e fotos)
        
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