Imprensa deve fundamentar críticas ao Judiciário
Antonio Celso Aguilar Cortez*
De quem trabalha com a liberdade e os patrimônios materiais e imateriais das pessoas o mínimo e o principal que se exige é probidade. Para erros do juiz a legislação contém sistema de controles e revisões que, se não impede eventual falha de caráter, possibilita evitar e/ou corrigir os raros atos de desonestidade, na maioria das vezes. Mais difícil é impedir, reprimir ou corrigir as consequências da difamação, da injúria e até da calúnia espalhadas aos quatro ventos por quem tem à disposição os meios de comunicação e os utiliza com má fé ou irresponsabilidade.
A sociedade civil tem a oportunidade de discutir a importante questão da atuação do CNJ e tem o direito de ser informada a respeito dos fatos que lhe permitam influir sobre o tipo de controle necessário para o Poder Judiciário. A função da imprensa é fundamental. Cabe a ela colher as informações necessárias e esclarecer a opinião pública sem se permitir a influência de “pré-conceitos” desprovidos de fundamentos.
É regra conhecida a que determina ao jornalista ouvir os dois lados sobre fatos controvertidos e buscar a verdade para bem informar o cidadão. A responsabilidade de quem dispõe de espaço e/ou tempo na imprensa exige respeito às diferentes opiniões e impõe separar e informar o leitor/ouvinte/telespectador sobre o que é opinião pessoal e o que é fato.
Ao ceder espaço para “comentaristas” a imprensa deveria esclarecer não apenas sua formação profissional, mas também sua qualificação para comentar o assunto em pauta; por isto, não deveria um juiz ser ouvido sobre assunto de medicina nem o médico opinar sobre o funcionamento do Poder Judiciário, por exemplo, a não ser demonstrando saber do que fala, ou que o faz como cidadão, de modo especulativo, sem compromisso com a verdade, e informando o publico sobre isto. Apenas os jornalistas podem falar o que lhes venha à cabeça sobre tudo, sabendo ou não do que falam.
Já houve quem se valesse de informações colhidas no site do STF para criticá-lo exatamente por falta de transparência. Infelizmente, há pessoas que sob as luzes dos holofotes discursam sobre qualquer coisa, induzindo os incautos a tê-los como porta-vozes da verdade indiscutível. Com suas próprias réguas e compassos, os Torquemadas de plantão são incapazes de admitir que um juiz seja idealista e honesto, não um sangue-suga do Poder Público.
Na questão do CNJ, a imprensa deveria, entre outras apurações, informar quantas punições fez esse órgão, mas informar também quantas os órgãos do Poder Judiciário fizeram no mesmo período. Só assim alguém poderá concluir que algum deles é inoperante.
Parece, todavia, irresistível (des)qualificar singelamente a posição de alguém como “corporativista” apenas porque é contrária à de quem detém o poder de ter a última palavra sobre qualquer coisa. Recentemente, o CNJ abrandou uma punição aplicada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. A imprensa nada noticiou até agora.
Se a decisão do CNJ fosse de agravar essa punição, a mídia teria argumentos para provar o corporativismo. Se não tem, silencia. De modo geral, as invectivas são tidas como verdades absolutas e os desmentidos não merecem o mesmo destaque, quando merecem algum. A função de jornalista ou assemelhada confere salvo-conduto para o bem e para o mal. E o despreparo, a desinformação, o preconceito e a má fé causam danos irreparáveis a muita gente, impunemente.
As deficiências do Poder Judiciário são inegáveis, integrado por pessoas sujeitas às paixões humanas, e ninguém quer impunidade para juízes. Mas à imprensa cabe buscar a verdade sobre as divergências. Para acusar de corporativista qualquer juiz é imprescindível se informar sobre sua história e honradez e ouvi-lo, como acabou sendo feito por um órgão de imprensa com o presidente do STF, depois da saraivada de críticas. Teria ele razões para proteger juízes desonestos? Se tem, a imprensa deve dizer; se não tem, não deve ser acusado infundadamente. Cabe procurar saber e divulgar o que o move.
É irrelevante observar que a corregedora do CNJ quis, como deve ter querido, se referir a uma minoria de juízes como ímprobos. Qualquer um sabe que seu discurso pôs em dúvida, de fato, a honestidade, nosso maior patrimônio, de todos nós, porque atirou ao vento sua acusação.
É, sim, ofensivo e encontra apoio em todos que querem desprestigiar e enfraquecer o Poder Judiciário, mais do que melhorá-lo. A fala do presidente do Conselho Federal da OAB, referindo-se a volta a período de trevas, referenda a necessidade de caça às bruxas sem indicar casos concretos que deixaram de ser investigados ou punidos.
Sugere que o CNJ é, ele sim, integrado por pessoas acima das paixões humanas, únicas capazes de por nos eixos o Judiciário. Para discursar sobre corporativismo, a OAB é pouco confiável. Poderia ela tornar público, por exemplo, o modo como é conduzido nos bastidores o ingresso - sem concurso público - de advogados diretamente nos Tribunais, para esclarecer se se trata ou não de sinecura e reserva de mercado corporativista, se possibilita acesso de grandes juristas ao Poder Judiciário e se o faz pelos méritos dos indicados, não por razões eleitoreiras internas, políticas, de tráfico de influência, de compadrio ou de mercado de trabalho e aposentadoria.
Poderia questionar os bastidores do acesso aos cargos de juízes dos Tribunais Superiores e, com relação ao Superior Tribunal de Justiça, o acesso de juízes oriundos do quinto constitucional como se fossem de carreira. E pode, como faz, questionar os inconvenientes de eventual enfraquecimento do CNJ, é óbvio.
Entretanto, é importante deixar clara a importância de se impedir abuso ou desvio de poder, seja de quem for, inclusive do CNJ, sem esvaziá-lo. Cabe a este órgão exigir do Poder Judiciário as medidas saneadoras necessárias e tomar essas medidas se a instituição não se mostrar capaz de atender ao princípio da eficiência, jamais permitindo que se omita, ou atue de modo corporativista.
Mas não se trata da luta do Bem contra o Mal. Entre os maiores defeitos do Judiciário não está a honradez da esmagadora maioria de seus integrantes, que as raríssimas exceções confirmam. De mazelas, como o Poder Judiciário, não estão isentos o CNJ, a OAB e a imprensa. Para saná-las, o discurso deve ser aberto e informado. A demagogia não serve ao Estado de Direito democrático.
*Antonio Celso Aguilar Cortez é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo
Fonte: Artigo publicado na Revista Consultor Jurídico, em 27/10/11.
Comunicação Social TJSP – ACAC (texto) / AC (foto ilustrativa)
imprensatj@tjsp.jus.br