Tribunal revive Revolução de 1932 em encenação no Salão dos Passos Perdidos

Capítulo marcante na sesquicentenária história do TJSP.

 

  Na semana em que São Paulo rememorou os 92 anos da Revolução Constitucionalista, o Palácio da Justiça voltou no tempo até 23 de maio de 1932. Foi com entusiasmo que dezenas de alunos-oficiais da Academia de Polícia Militar do Barro Branco encenaram, na última quinta-feira (11), no Salão dos Passos Perdidos, o episódio marcado como o estopim do conflito: manifestação em prol de uma nova Constituição para o Brasil e contra o regime de Getúlio Vargas, evento que culminou nas mortes de Martins, Miragaia, Dráusio, Camargo e Alvarenga (este morto alguns meses depois) – heróis eternizados pela sigla M.M.D.C.A.
A coragem dos mártires inspirou cerca de 200 mil paulistas, que se voluntariaram para o combate. Homens e mulheres personificados, 92 anos depois, por oficiais como Felipe Cardoso, que liderou os soldados, e Bárbara Alves, integrante do pelotão de enfermeiras. Ao som da Marcha Paris-Belfort, hino da revolução, ambos participaram pela 1ª vez. “Foi uma honra fazer essa encenação, ainda mais pelo que ela representa, tanto para a Polícia quanto para a sociedade”, disse Felipe Cardoso, destacando o heroísmo dos combatentes de 1932 como inspiração para a carreira, sentimento compartilhado por sua colega. "Participamos voluntariamente, porque é um privilégio poder reviver esse marco histórico. Os combatentes cultuavam valores que permanecem até hoje entre nós, como coragem, civismo e vontade de lutar pela sociedade", afirmou Bárbara Alves.
A reconstituição é realizada no Tribunal de Justiça desde 2018, intermediada pelo Museu do TJSP, coordenado pelo desembargador Octavio Augusto Machado de Barros Filho, e pela Assessoria Policial Militar do TJSP. Porém, já era uma tradição na Polícia, com apresentações em outras instituições. Há sete anos, a encenação é coordenada pelo capitão PM Fernando Antonio de Moura, da Diretoria de Educação e Cultura da PM. É ele o responsável por transmitir aos alunos mais do que uma simples atuação cênica: trata-se de uma missão. “Montamos uma apresentação de anos anteriores e realizamos alguns treinamentos”, disse. Ele também faz a locução, dando voz ao contexto de insatisfação da sociedade paulista com o governo Vargas, sobretudo pela supressão da Constituição e pela nomeação de interventores nos estados, até a mobilização do povo antes do conflito armado.
“Devemos cultuar esse passado. Em 1932, tínhamos um contingente reduzido e a missão nobre de lutar pela democracia, mesmo sabendo da inferioridade numérica. A tropa treinou civis para o exército e isso é uma inspiração”, afirmou o capitão, que encerrou o ato com a proclamação do poema “Os Jovens de 32”, de Paulo Bomfim, o príncipe dos poetas.
Na plateia, duas presenças especiais: Douglas de Albuquerque Alvarenga e sua filha, Júlia – respectivamente neto e bisneta de Orlando de Oliveira Alvarenga, um dos mártires da revolução. “Foi minha primeira visita ao Palácio da Justiça e me trouxe muitas emoções e lembranças. A memória do meu avô, sem dúvida, foi muito valorizada, mas a maior importância é manter sempre vivo esse sentimento de liberdade, democracia e de uma Constituição que deve ser respeitada. Muitos paulistas deram suas vidas em prol disso”, disse Orlando Alvarenga.
O conflito, iniciado em 9 de julho de 1932, durou 87 dias e deixou mais de 2 mil mortos, incluindo baixas não oficiais. “O resultado no campo de batalha não foi o esperado. Porém, no campo dos ideais, São Paulo venceu. O sacrifício dos paulistas que lutaram bravamente nas trincheiras da legalidade, da liberdade e da justiça não foi em vão”, disse o presidente do TJSP, desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, no evento, referindo-se à convocação da Assembleia Constituinte que resultou na Constituição de 1934 – uma vitória para os brasileiros de São Paulo e de todo o país.

 

      A Revolução e o Tribunal
A Revolução de 1932 é um capítulo especial na sesquicentenária história do TJSP. Afinal, a causa paulista foi muito apoiada por operadores do Direito da época, entre eles o então presidente do Tribunal, ministro Manoel da Costa Manso, que proferiu discurso histórico a favor dos ideais constitucionalistas, transmitido para todo o país pelo rádio. Além disso, nomes como Theodomiro Dias, Adriano Marrey, Odilon da Costa Manso e outros notáveis magistrados paulistas se enfileiraram nas trincheiras do confronto.
A própria história do Palácio da Justiça se confunde com a da Revolução, uma vez que a luta se deu poucos meses antes de sua primeira inauguração, ocorrida em 1933. Hoje, a sede do Judiciário conserva, no Espaço Cultural Poeta Paulo Bomfim, um vasto acervo com documentos e objetos históricos do conflito. Outros itens estão expostos no Palacete Conde de Sarzedas, sede do Museu, que neste ano recebe, também, a mostra
“A Revolução em 32 quadros”, exposição temporária e itinerante projetada pelo Centro de Memória Eleitoral (Cemel) e pelo Museu do TJSP, com curadoria de José
Maria  Pereira Lopes. Além disso, uma exposição virtual ressalta o papel do Judiciário no combate e eterniza o legado de uma história viva, como contam os versos do príncipe dos poetas: “Enquanto houver esperança, enquanto os mortos velarem, sempre será 9 de julho”.

 

*N.R.: Texto originalmente publicado no DJE de 17/7/24 

 

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